Vamos começar a analisar as etapas de uma Negociação, dentro do modelo proposto por William Ury, no Fórum Mundial de Negociação organizado pela HSM. Depois de passar um tempo na VARANDA, analisando a situação com uma visão panorâmica para entender o quê e quem está em jogo, você também já terá vislumbrado suas possíveis alternativas à não realização de um acordo - ou sua MAPAN (Melhor Alternativa Para um Acordo Negociado). Vejamos, pois, os próximos passos: O último passo antes de ir para a Negociação propriamente dita é olhar O LADO DE LÁ. Assim como você, a outra parte envolvida também tem seus interesses - que não necessariamente serão os mesmos que os seus - e está nesse processo por algum motivo. Quanto mais você souber sobre as intenções da outra parte, melhor poderá cuidar das suas próprias.
Colocar-se do outro lado significa, portanto, olhar o tema pela outra perspectiva. Se você estivesse do outro lado, quais seriam seus objetivos principais? Qual seria a sua estratégia e de que meios você se valeria para consegui-los?
É o momento de ouvir mais do que falar e de tentar ter certeza, também, de que compreendeu corretamente o que a outra pessoa realmente quer. Neste processo os lados constróem o respeito mútuo, mostrando empatia e valorizando as necessidades alheias.
Lembro-me de uma vez quando um ex-funcionário estava movendo um processo contra a empresa onde eu estava. O caso estava feio para o lado da companhia e - como quase sempre ocorre - a cega balança da Justiça Trabalhista pendia para o lado do demitido.
Meu ex-chefe (que não era o mesmo que havia demitido o sujeito) sentou-se com o rapaz e perguntou-lhe o que ele faria com o dinheiro da indenização.
Uma pergunta indiscreta e inesperada, sem dúvida, mas focada em resolver um problema, pois a quantia envolvida certamente colocaria a (pequena) empresa em dificuldades - e esse não era, absolutamente, o objetivo do processo.
O rapaz contou, então, que usaria o dinheiro para comprar uma casa. Conciliador, meu ex-chefe propôs que a empresa comprasse a casa para ele, em vez de dar-lhe o dinheiro. A solução final seria boa para os dois lados, pois um conseguiria sua sonhada casa própria e o outro cumpriria sua parte do acordo através de um financiamento e não de um traumático desembolso imediato.
Tendo feito o seu dever de casa você estará pronto para entrar, de fato, nas etapas da Negociação em que efetivamente busca o acordo com a outra parte. Mas nem sempre as questões estarão colocadas de um jeito que te favorece. Este é o momento de reformulá-las.
REFORMULAR (reframing) significa dizer as mesmas coisas de uma outra maneira, buscando enfatizar os aspectos que te ajudam. Contar a um paciente que ele tem 90% de chances de sobreviver a uma cirurgia é bem melhor do que advertir-lhe que ele tem 10% de chances de morrer - apesar de a probabilidade de ele passar desta para melhor ser a mesma.
Reformular é enxergar o a questão de um outro ângulo. (Veja outros exemplos ilustrativos - e menos mórbidos - em O pequeno gigante ou o enorme anão.) Com esta técnica você pode desviar a atenção de temas mais delicados, bem como também fazer com que a outra parte veja outras abordagens sobre a coisa negociada.
Algumas perguntas típicas podem ajudar nessa tarefa, como por exemplo:
- Ajude-me a entender melhor as suas necessidades.
- O que você pretende alcançar com isso?
- Haveria algum problema se nós tentássemos, por exemplo, ...?
- Pelo que entendi, seus interesses são ... Será que eu não entendi alguma coisa?
Desta forma você poderá compreender melhor o que a outra parte realmente espera do acordo, ao mesmo tempo em que começa a direcioná-lo para um lado que lhe seja mais interessante. Perceba que as perguntas sugeridas ainda não opõem nenhuma resistência, nem significam rejeição a coisa alguma. Elas buscam apenas reformatar o problema.
Outras perguntas podem, ainda, buscar novas opções para o acordo, como:
- E se...?
- Sob que condições/circunstâncias vocês aceitariam...?
- Que sugestões vocês têm para resolver o problema?
Perceba que essas questões já começam a dar contornos a uma proposta de acordo que já pode conter, inclusive, itens quantificáveis, como valores monetários, negócios futuros, responsabilidades, margens de lucro, prazos de validade, reciprocidade etc. Talvez essa seja, também, a etapa onde você mais terá de usar o seu poder de persuasão.
Podem ocorrer momentos em que seja necessário se retirar momentaneamente da Negociação. Voltar à VARANDA e reavaliar a questão com calma. Esfriar a cabeça. Lembre-se sempre que se retirar temporariamente da mesa não significa encerrar a conversa. Utilize-se dessa alternativa de modo educado, para manter os canais abertos.
De forma respeitosa e não definitiva, uma negativa inicial tende a reforçar a sua posição e, ainda assim, deixar um ótimo caminho para a construção de um bom acordo. O NÃO será tanto mais forte quanto mais sólidas forem as suas justificativas - desde que elas sejam razoáveis. Razões simples e objetivas sempre são mais palatáveis do que desculpas vazias e esfarrapadas.
Evite que esse momento possa representar um impasse ou que inicie um processo de auto-defesa de ambos os lados. Gerencie as ansiedades que possam surgir e não deixe que a conversa descambe para o lado pessoal ou que provoque raiva ou retaliação.
Em seguida faça uma nova proposta, realista e objetiva. Procure uma solução que possa atender a ambos os lados de forma positiva e construtiva. "Que tal se nós...?"
Se tudo correr bem você estará chegando, agora, a um acordo. Mas lembre-se que, frequentemente, esse não é o fim da Negociação. Muitas vezes um consenso é apenas o início de uma relação que, possivelmente haverá de se estender por muito tempo. Por isso seja bastante criterioso na hora de CONSTRUIR A PONTE entre os dois lados.
De nada adiantará você passar por todo o processo de Negociação se não conseguir formalizar o acordo de forma concreta e inequívoca. Contratos escritos de forma clara e precisa podem ser necessários. Use e abuse da redundância para não haver dúvidas.
E last, but not least, ajude-os a vender internamente (para a empresa deles) o acordo que acabaram de celebrar. Ressalte os lados positivos para a companhia de forma que eles também tenham seu próprio ganho pessoal.
Este também é o momento ideal para pequenas concessões finais, mesmo quando elas não são solicitadas. Aquele desconto que você havia guardado na manga, umas horas a mais de treinamento ou uma personalização extra no produto, por exemplo.
As últimas ações são, normalmente, as que são mais lembradas. Se você fizer concessões ao selar o acordo, esta será a imagem que levarão de você: um negociador forte, porém generoso.
No fim de todo esse processo, vale ainda rever o caminho percorrido. Procure aprender com os passos que você deu, entenda suas falhas, identifique suas fraquezas e veja como poderia ter feito diferente. Extraia boas lições que sejam válidas no futuro. Converse com as outras pessoas que participaram - até mesmo com o outro lado - para ter outros pontos-de-vista. Guarde seus aprendizados e construa seu próprio estilo de Negociação.
Um conselho final que tiro do The Art of Strategy: A Game Theorist's Guide to Success in Business and Life: por muito tempo as Negociações eram vistas como batalhas onde o outro lado era encarado como o inimigo a ser derrotado. Modernamente procura-se enxergar uma Negociação como uma forma de compor um relacionamento, um momento de colaboração entre partes que guardam interesses em comum, onde ambas as partes podem ganhar e sair da mesa com mais do que tinham quando entraram.
Negociar é preciso Alguns teóricos do assunto insistem que não existe Negociação do tipo "perde-ganha". Para Richard Shell, por exemplo,todas elas são "ganha-ganha" pois, do contrário, não haveria acordo algum. Inclusive ele abre o seu excepcional Negociar é preciso com um jogo muito interessante:
Imagine que numa mesa com oito pessoas, você ofereça um prêmio - digamos, uma entrada para o cinema - à primeira pessoa (A) que conseguir convencer quem está à sua frente (B) a se levantar e ficar de pé atrás da sua cadeira (a cadeira de A). Alguns se levantarão imediatamente e correrão para se postar atrás do seu parceiro, para depois pensar em como dividir o prêmio. Outras ficarão irredutíveis em seus lugares.
Mas será que não haverá um par de participantes em que ambos se levantarão e ficarão cada um atrás da cadeira do outro? Onde está dito que não há dois ingressos de cinema?
Autoria do texto: http://rodolfo.typepad.com/no_posso_evitar/2009/10/forum-mundial-de-negociacao-hsm-william-ury-parte-ii.html
Colocar-se do outro lado significa, portanto, olhar o tema pela outra perspectiva. Se você estivesse do outro lado, quais seriam seus objetivos principais? Qual seria a sua estratégia e de que meios você se valeria para consegui-los?
É o momento de ouvir mais do que falar e de tentar ter certeza, também, de que compreendeu corretamente o que a outra pessoa realmente quer. Neste processo os lados constróem o respeito mútuo, mostrando empatia e valorizando as necessidades alheias.
Lembro-me de uma vez quando um ex-funcionário estava movendo um processo contra a empresa onde eu estava. O caso estava feio para o lado da companhia e - como quase sempre ocorre - a cega balança da Justiça Trabalhista pendia para o lado do demitido.
Meu ex-chefe (que não era o mesmo que havia demitido o sujeito) sentou-se com o rapaz e perguntou-lhe o que ele faria com o dinheiro da indenização.
Uma pergunta indiscreta e inesperada, sem dúvida, mas focada em resolver um problema, pois a quantia envolvida certamente colocaria a (pequena) empresa em dificuldades - e esse não era, absolutamente, o objetivo do processo.
O rapaz contou, então, que usaria o dinheiro para comprar uma casa. Conciliador, meu ex-chefe propôs que a empresa comprasse a casa para ele, em vez de dar-lhe o dinheiro. A solução final seria boa para os dois lados, pois um conseguiria sua sonhada casa própria e o outro cumpriria sua parte do acordo através de um financiamento e não de um traumático desembolso imediato.
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Tendo feito o seu dever de casa você estará pronto para entrar, de fato, nas etapas da Negociação em que efetivamente busca o acordo com a outra parte. Mas nem sempre as questões estarão colocadas de um jeito que te favorece. Este é o momento de reformulá-las.
REFORMULAR (reframing) significa dizer as mesmas coisas de uma outra maneira, buscando enfatizar os aspectos que te ajudam. Contar a um paciente que ele tem 90% de chances de sobreviver a uma cirurgia é bem melhor do que advertir-lhe que ele tem 10% de chances de morrer - apesar de a probabilidade de ele passar desta para melhor ser a mesma.
Reformular é enxergar o a questão de um outro ângulo. (Veja outros exemplos ilustrativos - e menos mórbidos - em O pequeno gigante ou o enorme anão.) Com esta técnica você pode desviar a atenção de temas mais delicados, bem como também fazer com que a outra parte veja outras abordagens sobre a coisa negociada.
Algumas perguntas típicas podem ajudar nessa tarefa, como por exemplo:
- Ajude-me a entender melhor as suas necessidades.
- O que você pretende alcançar com isso?
- Haveria algum problema se nós tentássemos, por exemplo, ...?
- Pelo que entendi, seus interesses são ... Será que eu não entendi alguma coisa?
Desta forma você poderá compreender melhor o que a outra parte realmente espera do acordo, ao mesmo tempo em que começa a direcioná-lo para um lado que lhe seja mais interessante. Perceba que as perguntas sugeridas ainda não opõem nenhuma resistência, nem significam rejeição a coisa alguma. Elas buscam apenas reformatar o problema.
Outras perguntas podem, ainda, buscar novas opções para o acordo, como:
- E se...?
- Sob que condições/circunstâncias vocês aceitariam...?
- Que sugestões vocês têm para resolver o problema?
Perceba que essas questões já começam a dar contornos a uma proposta de acordo que já pode conter, inclusive, itens quantificáveis, como valores monetários, negócios futuros, responsabilidades, margens de lucro, prazos de validade, reciprocidade etc. Talvez essa seja, também, a etapa onde você mais terá de usar o seu poder de persuasão.
Podem ocorrer momentos em que seja necessário se retirar momentaneamente da Negociação. Voltar à VARANDA e reavaliar a questão com calma. Esfriar a cabeça. Lembre-se sempre que se retirar temporariamente da mesa não significa encerrar a conversa. Utilize-se dessa alternativa de modo educado, para manter os canais abertos.
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Para o passo seguinte Ury sugere, curiosamente, começar com um inocente NÃO. Mas de que forma podemos dizer um NÃO POSITIVO?De forma respeitosa e não definitiva, uma negativa inicial tende a reforçar a sua posição e, ainda assim, deixar um ótimo caminho para a construção de um bom acordo. O NÃO será tanto mais forte quanto mais sólidas forem as suas justificativas - desde que elas sejam razoáveis. Razões simples e objetivas sempre são mais palatáveis do que desculpas vazias e esfarrapadas.
Evite que esse momento possa representar um impasse ou que inicie um processo de auto-defesa de ambos os lados. Gerencie as ansiedades que possam surgir e não deixe que a conversa descambe para o lado pessoal ou que provoque raiva ou retaliação.
Em seguida faça uma nova proposta, realista e objetiva. Procure uma solução que possa atender a ambos os lados de forma positiva e construtiva. "Que tal se nós...?"
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Se tudo correr bem você estará chegando, agora, a um acordo. Mas lembre-se que, frequentemente, esse não é o fim da Negociação. Muitas vezes um consenso é apenas o início de uma relação que, possivelmente haverá de se estender por muito tempo. Por isso seja bastante criterioso na hora de CONSTRUIR A PONTE entre os dois lados.
De nada adiantará você passar por todo o processo de Negociação se não conseguir formalizar o acordo de forma concreta e inequívoca. Contratos escritos de forma clara e precisa podem ser necessários. Use e abuse da redundância para não haver dúvidas.
E last, but not least, ajude-os a vender internamente (para a empresa deles) o acordo que acabaram de celebrar. Ressalte os lados positivos para a companhia de forma que eles também tenham seu próprio ganho pessoal.
Este também é o momento ideal para pequenas concessões finais, mesmo quando elas não são solicitadas. Aquele desconto que você havia guardado na manga, umas horas a mais de treinamento ou uma personalização extra no produto, por exemplo.
As últimas ações são, normalmente, as que são mais lembradas. Se você fizer concessões ao selar o acordo, esta será a imagem que levarão de você: um negociador forte, porém generoso.
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No fim de todo esse processo, vale ainda rever o caminho percorrido. Procure aprender com os passos que você deu, entenda suas falhas, identifique suas fraquezas e veja como poderia ter feito diferente. Extraia boas lições que sejam válidas no futuro. Converse com as outras pessoas que participaram - até mesmo com o outro lado - para ter outros pontos-de-vista. Guarde seus aprendizados e construa seu próprio estilo de Negociação.
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Um conselho final que tiro do The Art of Strategy: A Game Theorist's Guide to Success in Business and Life: por muito tempo as Negociações eram vistas como batalhas onde o outro lado era encarado como o inimigo a ser derrotado. Modernamente procura-se enxergar uma Negociação como uma forma de compor um relacionamento, um momento de colaboração entre partes que guardam interesses em comum, onde ambas as partes podem ganhar e sair da mesa com mais do que tinham quando entraram.
Negociar é preciso Alguns teóricos do assunto insistem que não existe Negociação do tipo "perde-ganha". Para Richard Shell, por exemplo,todas elas são "ganha-ganha" pois, do contrário, não haveria acordo algum. Inclusive ele abre o seu excepcional Negociar é preciso com um jogo muito interessante:
Imagine que numa mesa com oito pessoas, você ofereça um prêmio - digamos, uma entrada para o cinema - à primeira pessoa (A) que conseguir convencer quem está à sua frente (B) a se levantar e ficar de pé atrás da sua cadeira (a cadeira de A). Alguns se levantarão imediatamente e correrão para se postar atrás do seu parceiro, para depois pensar em como dividir o prêmio. Outras ficarão irredutíveis em seus lugares.
Mas será que não haverá um par de participantes em que ambos se levantarão e ficarão cada um atrás da cadeira do outro? Onde está dito que não há dois ingressos de cinema?
Autoria do texto: http://rodolfo.typepad.com/no_posso_evitar/2009/10/forum-mundial-de-negociacao-hsm-william-ury-parte-ii.html